quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ser ou não ser Don Juan: eis a questão


Dora era uma bela mulher. Juntava à beleza, um encanto e uma sensualidade que não deixava ninguém indiferente. O seu fascínio era-lhe vital como o oxigénio. Transpirava charme. Agradava a homens e mulheres. E sabia-o bem demais.

O nome Dora é que não. Era um nome que não dava com nada, não tinha a ver com ela. Era um nome sem sal, aplicável a alguém pardacento. A ela é que não. O nome é uma coisa tão importante! Mas qual quê, a sua mãe não sabia isso. Como não soubera tantas outras coisas! Por essas e por outras, fizera-a sem gosto, por engano e também a tivera por sua conta e risco. Tudo errado. O pai apenas lhe dera o espermatozóide enganado. Fora feita sem prazer, entre dois seres de mundos diferentes e que se encontraram numa noite daquelas em que todos os gatos são pardos.

O pai, mal fora informado de que um pequeno feijão estava a crescer na barriga daquela criatura sem nome, a crescer para lhe acrescentar mais um problema, propôs pagar o apagamento daquele erro. Mas a mãe achou que seguindo com a deformação do seu corpo o iria comover, tornar-se um ser sensível, quem sabe até ficar apaixonado por ela. O clássico para a época.

Mal percebeu que a coisa ia para a frente, o pobre pai à força desapareceu até hoje.

A mãe carregou aquele peso crescente sem pachorra para nada. À madrinha, uma amiga de longa data, deu o encargo de escolher o nome. A madrinha era tão falha de imaginação quanto a mãe. O esforço de criatividade que fez foi oferecer-lhe o seu próprio nome. E assim foi. Mais outra Dora…

Sempre teve de ouvir aquelas brincadeiras sem graça. Os trocadilhos idiotas. A Dora adora. EncantaDora. Adoro a Dora. E por aí fora. Pensou, pensou e achou.

Leu sobre o mito de Pandora. Também ela tinha sido divinamente insuflada de encanto, também ela possuía todos os dons. Isso só poderia ter-lhe vindo de mão divina. O idiota do pai e a pateta da mãe não tinham genética para isso. Ela era de outra descendência. Tinha o mais alto conceito de si mesma. O reflexo que recebia do espelho, que eram os que por ela se apaixonavam, devolvia-lhe uma imagem perfeita. Sentia-se o centro do seu pequeno-enorme universo.

Adopta o nome. Passa a apresentar-se como Pandora, assina Pandora e torna-se uma deusa-terrena.

Uma noite conhece Alexandre. Joana, a sua melhor amiga, deu uma enorme festa para comemorar o seu 30º aniversário. Amigos, conhecidos e conhecidos de conhecidos, todos estavam convidados. Ele foi-lhe apresentado. Já conhecia bem as suas credenciais como coleccionador de beldades, mas simulou nunca ter ouvido falar.

Alexandre era um homem deslumbrante. Um corpo bem talhado, alto, moreno, perfeito. Uns olhos pretos, enormes, escuros como a sua alma. Sabia de muitas histórias contadas pelas próprias protagonistas que haviam passado por aqueles ardentes braços e não só! Todas tinham ficado bem apanhadas! Ele passara e deixara sempre as suas marcas, bem fundas, às vezes. Ele começava sempre por as seduzir perdidamente e até consumar a conquista, era o maior dos sedutores, o sonho de qualquer mulher. Mal caíam nos seus braços, completamente apaixonadas, ele gozava a vitória e seguia para a próxima que, ou já estava em fila de espera ou vivia no ventrículo do outro lado, naquele coração que tantas emoções continha.

Era uma óptima versão sec. XXI do D. Juan: infiel e inconstante e um expert nas artes da sedução, com uma imaginação sem limites. O seu lema era: conquistando e andando. Não se detinha em ninguém. Qualquer obstáculo o fazia superar-se para o transpor. Depois de obter o que queria, o seu ego crescia, o seu instinto de caçador era apaziguado até à próxima caçada.

Pandora confirmou o seu charme. Era o encontro de dois enormes sedutores. Uma noite única. Realmente ele era doutorado nas Artes Amorosas. Ela podia avaliar, tinha também um vasto curriculum, era uma perita na matéria.

Passaram a noite mergulhados um no outro, num encantamento. A festa à volta deles não existiu.

Ele utilizou as mais sofisticadas artes de sedução. Sabia dizer o que uma mulher queria ouvir nos momentos exactos, as palavras mais bem direccionadas ao sentir feminino, as carícias mais elaboradas que conseguiam ir directas da pele ao mais profundo do ser e arrepiar e provocar e endoidecer. Ele sentiu que se estava a superar e ela adorou.

Pandora também o seduziu e de que maneira! Alexandre estava franca e agradavelmente surpreendido. Nunca encontrara uma mulher assim. Também nunca se sentira tão encantado por ninguém, tão excitado, tão enredado. Ela era diferente, para melhor, muito melhor, divinamente sedutora. Ficou envolto naquela onda de encanto, de semi-mistério, de sensualidade.



Foi uma noite de grandes descobertas. Um constante jogo de seduções, em que seria difícil encontrar um vencedor e um vencido. O resultado justo era mesmo o empate.

E foram alimentando aquela fogueira pelas noites fora, pelos dias dentro. E o fogo estava sempre ao rubro, com grandes labaredas. Alguém se podia queimar.

Alexandre estava confuso, nunca experimentara estes sentimentos, desconhecia em absoluto o que lhe estava a acontecer. Cada dia que passava se sentia mais preso, sentia intensamente os momentos com Pandora. Quando não estavam juntos não conseguia parar de pensar nela. Nada fazia sentido quando ela não estava. Não conseguia trabalhar, nem concentrar-se em nada. Ela era tudo. Começou a sentir medo.

Quando ele dizia o seu nome em todas as cambiantes da paixão, Pandora ia ao delírio. Ela sentia-se essa mulher que tinha todos os dons, um pé de deusa, um pé de mulher. Ele era o seu Epimeteu. Brincavam muito: “Alexandre, não abras a caixinha, olha que quem te avisa… não sejas curioso. Lembra-te: curiosity killed the cat.”

Alexandre estava muito receoso. Sentia-se entregue e não sabia até que ponto era correspondido. Ela era muito enigmática. Ele não conhecia os sentimentos que tinha neste momento, nunca se sentira assim. Não tinha nenhuma vontade de partir para outra conquista. Nem pensava noutra mulher. Só tinha olhos e vontade para Pandora. Queria-a só a ela, pela primeira vez na sua vida.

O que se passava? Estaria mesmo apaixonado? Seria então isto a paixão, o amor, ou lá como se chamaria este não conseguir pensar em mais nada, em mais ninguém, só a desejar a ela, a só ter vontade de estar com ela e para sempre? Sempre fora uma palavra até aqui sem qualquer sentido…

Tinha medo de verbalizar o que sentia a Pandora. Sabia bem o que sentia quando as outras mulheres lhe expressavam esses sentimentos. Um tédio! Nunca estivera na posição delas. Agora começava a perceber… Pela primeira vez entendia a extensão do mal que fizera a tanta gente!

E ela, o que sentiria?

Pandora andava feliz, como sempre. Para ela a situação era a do costume. Mas desta vez a fasquia estava bem alta! Alexandre estava ao seu nível, era tão bom nestas artes como ela. Isso aumentava o seu prazer. Antegozava o momento em que ele se daria totalmente.

O momento chegou. Ele expôs todo o seu sentimento, abriu a alma, deu-se virado do avesso, por dentro e por fora. Ele estava à mercê dela, perdido e achado naquele sentimento de entrega.

Ela adorou. Gozou até ao tutano do momento. Foi o clímax. Teve o maior orgasmo espiritual, esqueceu tudo. Aí percebeu que afinal não estavam empatados, ela tinha vencido.

Riu-se. Vestiu-se. Virou as costas e preparava-se para ir embora. Já não havia mais para melhorar, atingira o máximo.

Ele perguntou o que estava a acontecer, porque se ia embora.

Ela apenas lhe disse:

“Querido, adorei tudo, foi único, sublime. És o máximo, como muitas amigas me tinham dito. Foi azar. Eu sofro de uma forma mais intensa e profunda do “complexo de Don Juan”. Meu querido: um a zero. Adeus. Isso vai passar, vais ver. Adorei cada segundo, mas o tempo acabou, como tudo na vida”.