segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Os pês




 
O Pedro pediu ao padeiro Paulo para lhe dar pão porque pensava que padecia de pouca pachorra para poder pensar sem pão provar.

O padeiro Paulo pensou e pensou se podia passar o pão ao Pedro sem a Patrícia perceber porque a pateta da Patrícia podia prantar-se à porta e pedir um pão para petiscar.

Patrícia pensava um poema e pouco pensava sobre pão. Planeava palavras para pôr no poema. Pensava em planícies pantanosas de plantações próximas na Primavera. Pensava em pinturas que podiam pender das paredes dum perfeito palácio com princesas prometidas a princípes portugueses. Podia parar um pouco porque padecia de pouca paciência para prolongar poemas principiados por própria e pensada poesia. Poemar era poderoso. Precisava premeditar o poema e pisar o pensamento profundamente. Primeiro precisava ponderar a paixão plena no próprio peito. Profunda paz do plexo pensante e pulsante em seu pequeno poder. Podia pensar, penar, poemar, palpitar. Podia, pois podia. Pensar o poema em paixão. Pois podia. E poderia publicar pequenos poemas, pouco a pouco, em pequenos papeis para preencher o pensamento do próprio povo do pequeno povoado com sua paixão pelo Paulo padeiro. Pelo Pedro já perdera a paixão. Paciência!

 

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Lisboa em Agosto

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Entrar numa igreja. Evadir-se no tempo. Desprender-se. Inundar-se de silêncio. Numa viagem para dentro. Ou visitar o deus que nos habita. E que nos coabita com um diabinho... ou um diabo inflamado.
Deixarmo-nos penetrar pelo cheiro a incenso. Imenso. E dar folga ao diabo. E viajar pelos labirintos interiores. Pelos anseios. Pelos desejos formulados a medo. E pelos medos, que se evaporam e misturam com o incenso. Insensatos. Como se aquele lugar sagrado pudesse proteger-nos de todos os males. Amen.
Não crendo, queremos. Não querendo, cremos. Cremos que valeram a pena aqueles instantes de isolamento, de alheamento, de quase purificação. Ou não. Evocar o melhor que nos povoa. Espraiarmo-nos pelos pensamentos mais etéreos, voláteis, santificados.
Ao sair, a luz crua do sol bate no chão branco e fere. A nossa alma ainda tonta. A vida fervilha cá fora. Um cão corre atrás duma sombra. A própria. E nós corremos também. O tempo corre. A vida corre. E atrasámo-nos. Temos de nos despachar.
Qual é a pressa? Se corrermos, apanhamos o tempo? Fazemo-lo esperar por nós? Vai passar mais devagar? Vai prolongar o nosso tempo? Por que razão nos apressamos? Ninguém sabe... Mas apressamo-nos na mesma. Também sabemos tão pouco!
Pelo menos, eu sei que nada sei, como dizia o outro. Isso é a essência do querer saber. Ou crer no saber. Ou saber querer? Ou querer saber. Eu sei lá!



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Uma tarde quente no Jardim da Estrela





Jardim da Estrela. Quatro da tarde. Calor a rodos. Pequeno oásis. Crianças correndo. Avós vigiando. Pessoas lendo, passeando, descansando, dormitando, vivendo.

E depois há os velhos. Pontilhados por ali. Alguns juntam-se em pequenos grupos. Conversam devagar. Pontuam com silêncios. Como só os velhos sabem conversar. Outro passeia o seu velho cãozinho, cozido com ele, cada um toma conta do outro, acertando o passo para não cansar o velho companheiro de melhores momentos. E lá seguem reconfortados com aquela amizade tão única e verdadeira...

E aquela velhota além sentada com as suas memórias tão longínquas... Ao seu lado pousam três grandes sacos. Usa uma enorme camisola laranja de lã com gola alta, que a cobre até aos joelhos. Meias de lã brancas metidas numas sandálias cor de terra. E a proteger as suas farripas brancas aquele chapelinho sem cor, sem época, sem estação. Está tanto calor! Mas ela não o sente. Não tem como o sentir. A solidão fria já se apoderou de todo o seu ser. Ela morde a solidão como um pedaço de pão seco. Mastiga-a devagar, com todo o tempo do mundo. Dá-lhe voltas na boca e depois engole-a. Volta a dar mais uma dentada naquela solidão tantas vezes saboreada mas tomando sempre um novo sabor. Cada vez mais amargo. Empurra-a com goles de silêncio. E ali fica pela tarde fora a digerir tudo. Usa o tempo com indiferença. Como usa o pouco de tudo o que tem. Indiferentemente. Os dias são todos iguais. Nada lhe faz bater o coração com mais força. Já é fraco o seu coração. Mas aguenta. Firme. Dormita embalada pela felicidade dos risos das crianças, pelas pequenas conversas que vão colorindo a tarde dos outros. Assim percebe que ainda há quem viva. Tanta vida à sua volta. Ela é que já desistiu. Está tão cansada! Já chega. Foi ela que consumiu a vida ou a vida que a consumiu a ela? Já não quer saber. O que é que adianta? Só deseja parar. Não se mexer mais. Parar de vez.
Nasceu sózinha e pobre, vai morrer pobre e só. Mas vai morrendo devagar, com vagar. Já se vai habituando. Assim vai ser muito mais fácil...



terça-feira, 2 de agosto de 2011

Manta de palavras


Espero

Que as palavras se juntem,

Formem uma onda

Que cresça,

Que inunde o meu mar

de sentimento terno

E me embale

Neste momento único

Feito eterno.

Que puxe

O aconchego

De uma manta de palavras

Até ao pescoço…

Sentir o poema

A crescer

Num alvoroço,

A consolar-me a alma,

A aquecer-me o corpo,

A embalar-me o sono,

Ser meu por um momento,

Depois partir

Sem dono.

E ir até ti,

Aquecer-te por dentro,

Lamber-te esse recanto

Mais escondido,

Amolecido,

Que, sem querer,

Sorri

E fica o momento,

Único,

O sentimento

Da partilha.

Que maravilha!

O que me agrada

Entrar em ti

Pelo poema

Feito estrada

Com muitos sentidos

Por nós percorridos,

Nas palavras.

Que bom

Estares agora aí,

Toma,

Este pequeno presente,

É para ti,

Tu,

Que estás comigo

Agora, aqui.

Como te sinto,

Pressinto,

Consinto.

És o meu presente,

Amigo.

Fico aqui

A escrinventar,

A poemar

Contigo.

Deixo-te

Esta manta de palavras,

Pequena oferta

Tecida com amizade

Com linhas de fios de ternura

Feita uma coberta

Simples e pura.



Poema,

Manta de palavras,

Coberta de alma,

Raio de lua,

Apenas

Para te mimar

nesta noite

só minha e

tua.