O carro avariou no meio daquela serra sem fim, onde não se via vivalma, onde tudo era escuro. Lá no alto brilhava aquela lua cheia, enorme, magnífica e que tornava a natureza à sua volta mais fantasmagórica, mais sinistra. E ela tinha de procurar ajuda algures onde houvesse algum ser humano disposto a dar uma mãozinha. Mas no meio daquela negrura, daquele silêncio medonho, aonde iria desencantar uma povoação, a que distância, como lá chegaria e quando?
“Coragem, mulher, quando não há escolha, está escolhido. As perguntas apenas complicam, calma, o escuro não mata e o silêncio apenas dói e mói e rói.” Como diabo conseguia brincar com as palavras no meio de semelhante situação! Eram os nervos…
Lá começou a avançar no meio de todo aquele emaranhado de folhas, arbustos, árvores, figuras de todos os tamanhos e feitios que evocavam inimagináveis pesadelos que nunca tivera a dormir, mas estava agora desperta até demais a vivê-los ao vivo.
O sangue pulsava com força, sentia o coração a bater-lhe nas têmporas e a cabeça latejava ao ritmo do coração, aumentando com a velocidade dos seus passos que aceleravam descontroladamente a fugir do medo, mas o medo corria sempre mais e apanhava-a. O restolhar dos seus passos trazia animais bizarros, figuras do além, almas penadas que à falta de outro passatempo a perseguiam naquela noite. Tudo era escuro, mas com um determinado brilho próprio, às vezes branco intenso reflexo daquela lua, única testemunha acesa do seu drama.
Gostaria de voltar a dias coloridos do seu passado, confortáveis, quentes, por oposição a esta noite fria, medonha e negra. Negro é também como vê o seu futuro imediato e negra é como se sente por dentro. Decididamente o medo é negro, por oposição à paixão tão vermelha!
E lá vai ela de rajada, qual furacão através daquele pesadelo ensurdecedoramente alucinante e brilhantemente escuro. Dispara pelo desconhecido fora, sente uma solidão alucinada no meio duma noite preta, em que a natureza se animou para a aniquilar e em que a lua se encheu para testemunhar o seu terror.
De repente, esfregou os olhos, estava a delirar ou era mesmo uma pequena aldeia iluminada com luzes a valer e com seres vivos, talvez a dormir, mas vivos e reais? Estava salva!
Viver é um risco permanente, mas o maior é o risco final, aquele que nos risca de vez da possibilidade de arriscar. Vivam os riscos e as vidas riscadas, às riscas, de risco em risco. Vivam!