O guarda deu a volta à chave e disse-lhe: “Amigo, tenha um bom dia!”
Ironicamente, João é claustrofóbico. Estar encerrado sempre foi para ele um grave problema. E aquelas quatro paredes, aquela jaula vai-lhe dar cabo das já fracas estruturas mentais.
As paredes nem brancas são, já foram, agora são sujas… Uma cama, também ela encardida. Tudo naquele lugar está conspurcado, a sujidade que se entranhou no seu corpo, no seu espírito e suja tudo o que enxerga, o que toca…
Também o cheiro é mau: a medo misturado com humidade, a solidão de mãos dadas com a penumbra. É um cheiro fechado, triste, insuportável, que se entranhou naquele espaço, se instalou e não sairá nunca. É um quadrado viciado, vicioso, doloroso. Cheira a algo muito seu conhecido: cheira a impotência, a ratoeira, a dependência, à própria decadência, a loucura à solta mas condicionada pelos quatro cantos desta espelunca.
Começa a suar e a sentir que o pânico está a controlá-lo, a cabeça lateja forte. Tal como quando era pequeno e a mãe o fechava na despensa para o castigar. Castigos por tudo e por nada, pelos mais pequenos nadas…
A vida é um castigo constante, ele sabe, nunca foi outra coisa. Mas o maior castigo é mesmo saber que está e estará ali fechado, sem poder dar a volta ao assunto. Como não pode dar a volta à chave e fugir. O guarda é quem tem a chave da cela, como outrora era a mãe que guardava a chave da despensa. Só ele nunca há-de ter a chave de coisa alguma…
Só sabe que existe mundo porque a cela tem uma janela que dá para outra divisão. Nem sequer vislumbra se é dia lá fora. Para ele é sempre aquela luz duma lâmpada forte…
Começa a sentir que não consegue controlar a tensão que tem acumulada, começa a andar de um lado para o outro, cinco passos para a frente, volta, cinco passos para trás, volta, começa a acelerar, a acelerar os passos, por fora, a acelerar as pulsações, algo a crescer lá dentro, a endoidecer!
Como vai aguentar tantos anos que tem pela frente, ali, fechado? Tudo menos inactivo e fechado.
Activo e castigado, sim, é ele!