Aquele ar rígido era todo arestas. Negro azeviche no cabelo cortado a direito e na franja em linha recta. Tudo rectilíneo. O vestido preto direito, com decote quadrado. Miss Sterck é demais! Toda rectas.
Só o seu hábito de flores preenchidas por curvas sobrepostas até ao infinito lhe arredonda alguma coisa, e essa coisa está fora dela!
A sua personalidade é também recta, sem andar por aí às curvas. Nada de estranho se lhe pode apontar. É recta, straight, um exemplo de virtudes. Tanto rigor e linearidade irritam! Tanta perfeição direita raia a loucura!
Mas não há bela sem senão: ela tem o seu segredo, e que segredo! Esconde-o debaixo de tanta rigidez. Esconde-o tão fundo, no fundo das camadas mais fundas das profundezas do seu ser, nunca ninguém o poderá descobrir!
Não fora o seu confessor e só Deus o saberia! Mas o padre era também um poço sem fundo, o segredo iria morrer com ele…
Esta mulher tão rigidamente recta tem o hábito de, nas suas noites solitárias e sombrias (que por acaso são todas), na sua casa escura e sóbria e recatada e sem conforto, em frente ao enorme espelho que comprou propositadamente para esse fim, pôr a velha e sempre renovada música “you can leave your hat on” e, devagar e sensualmente, retirar todo aquele austero vestuário rectilíneo negro, deixando à vista aquela lingerie de renda preta que a faz sentir poderosa e pôr um chapéu negro na cabeça. E aí ela arredonda-se ao praticar a sua sessão privada de strip-tease para o homem da sua vida, só para ele, a sua grande paixão: Deus! Para que lhe serviria um homem se ela tem um Deus?
Não fora aquele padre metediço e este segredo divino ficaria entre Ele e ela!
A irmã de Miss Sterck
Adorava ser como a minha irmã mais velha: sempre tão comedida, tão composta, tão bem vestida, sempre de preto, é certo, mas isso mostra que tem muita personalidade, sabe bem o que gosta e quer. É uma mulher sem defeitos, daí qualquer comparação me deixar sempre a perder…
E aquele seu cabelo negro liso e sempre alinhado, lindo! Bem tento desfrisar este meu cabelo selvagem, mas o resultado deixa-me a léguas dela. Uma desgraça!
E aquele seu jeito inato para fazer aquelas lindas flores, que crescem através de linhas que se vão encontrando e desencontrando e tecem flores enormes! Tem a casa cheia destas flores maravilhosas, até já me ofereceu algumas no Natal ou nos meus anos. Claro que as guardo religiosamente.
Até nisso somos diferentes, religiosamente falando, ela é muito devota a Deus e eu sou a desnaturada que se sabe!
Nunca teve namorados, pelo menos, que se saiba! É muito recatada: ela é trabalho-casa, casa-trabalho. As noites, passa-as em casa. Suponho que reza muito. Podia ter sido freira… Todas as semanas se vai confessar. Nem percebo que pecados terá!
Só lhe conheço um segredo: adora beber o seu copito, às vezes mais do que um, coitada, no meio de tanta perfeição, um copito a mais até lhe dá a sua graça!