terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O que nos faz





O que nos faz

Faz de conta

Conta para somar

Somar pedaços de vida

Vida banhando-se no mar

Mar de ondas alteradas

Alteradas sossegando em luas

Luas novas que se enchem

Enchem de noites de paixão

Paixão de encontros de almas

Almas corporizadas em línguas

Línguas de fogo de beijos

Beijos húmidos de prazer

Prazer de corpos em busca

Busca de eternidade

Eternidade feita momento

Momento único que vence

Vence a própria morte

Morte ressuscitada na explosão

Explosão do amor total

Total feito de muitas partes

Partes imobilizadas em corpos saciados

Saciados e plenos

Plenos de paz

Paz é o que nos faz

O que nos faz falta.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Avermelhando um dia cinzento




Alice acordou, contra a sua vontade, de um sonho colorido e quente. A chuva a bater com toda a força contra a persiana esfriou-lhe o acordar… Fechou os olhos e fez muita força para voltar ao sonho, mas nem ao sono conseguiu voltar!

A maluca da chuva a dar uma enorme tareia à persiana. Que violência! Como detestava a chuva, o frio, os dias sem sol, sem luz! Sonhava com países tropicais, com mergulhos em azul turquesa, olhares húmidos despertos por corpos morenos esculpidos em contra-sol… Adorava sonhar a cores quentes!

O calor da cama chamava-a, mas o trabalho, esse mata-sonhos, chamava-a fortalecido com o poder da realidade.

Deu um salto e aterrou no tapete. Espreguiçou-se gostosamente e sentiu o Tobias a roçar-lhe nas pernas! Dengoso, este felino preto e felpudo! Fez-lhe uma festa  que deslizou pelo aveludado daquele pelo longo. Que calmante era esta criatura!

Abriu as persianas e olhou a cidade lá em baixo e o céu mesmo em frente. O céu cinzento, a cidade cinzenta, o asfalto cinzento: belo dia que se pinta sem cor!

Alice tomou banho, tomou o pequeno-almoço e tomou uma decisão: hoje iria vestir aquele vestido sensual e vermelho que lhe fazia bem ao ego!

E lá saiu para a rua cinzenta, avermelhando o seu dia com a paixão que o sonho lhe inculcara e que o vestido relembrava.

Que bom poder sonhar, semeando papoilas pelos dias cinzentos. Avermelhar é preciso!

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Inspiro o momento




Inspiro o momento presente

E já passado

Quando expiro e inspiro

Um outro momento futuro deste

Mas já passado do momento

Que inspirarei a seguir.

A hora que passa e não volta

Às voltas no pensar.

E não se poder parar

O fluir

Do tempo

E nem saber

Quanto tempo está

Para vir…

O drama do existir,

O ser a viver

Até ver!

Inspira, expira,

Não penses,

Segue

A batida

Da vida

Até …

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Palavras dementes

Mente perversa simplesmente mente
Controversa  conversa em luta
Mentirosa ou visionária de outras verdades...
Mentecapto sem capacidade de captar outras mentes.
Mentirologia: ciência do viver entre mentes
Entrementes vivem muitas mentes
Mentalmente: mental mente?

Mentiras são facetas de pensar diferente?

Mentes pensantes, errantes por verdades de constante evoluir.

Sentir?

Sentes em momentos de amor

Mentes dementes de amor

Somente em mente

Só em solidões colectivas

Solidão de encontros de eus perdidos

Festa de descobertas dos labirintos do ser

Solidão é berço de encontros íntimos

Mente entrementes não mente

Desmente…

 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Jardins secretos

 

Água refrescando o calor de viver

Molhando a imaginação

Humedecendo as palavras

Secas de estarem guardadas.


Água que refloresta palavras

Que faz crescer

Mares de frases húmidas…

 
Água que rega

Jardins de mim

Profundos

Refrescando os meus dias

 
E jardins

Crescendo

Em sonhos

De noites escuras

Amanhecendo

Em dias luminosos

Dentro de florestas cerradas…

Só entra a luz

Que vem cá de dentro

Guardada

em jardins secretos

fechados

em mim

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Eu e as outras



Procuro a mim mesma e

Quando me encontro

Já sou outra…

Há quem seja sempre a mesma.

Eu

Mesmo tentando muito

Nunca encontro a mesma

É sempre outra…

A mesma morre
Ao viver
A sua breve vida.
Já conheci tantas outras!

Aquela mesma que começou a escrever

Já foi.

Esta agora que aqui está

Saúda a outra que aí vem…

Que vida social intensa!

Como invejo o sossego dos que se conhecem a fundo,
Raramente se enganam
E nunca têm dúvidas…
Abençoados os ricos de certezas,

Deles será o reino dos céus

E na terra reinam entre os seus pares

Também eles cheios de auto-conhecimento!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Fora de pé





Viver

É escrever com a alma

À flor da pena

Extensão do sentir

Cá dentro,

Deixando sair

Pedaços

De vida

Ainda quente

Em corrente…

Saciando sedes de caminhos

Gentes

Outros

Trocados

Carentes.

Pedinte sem mão

Para esmolas,

Vadia

Fechada

No aconchego do lar

Sem lar,

Apenas nadando

Em mar alto

Fora de pé

Sem saber nadar.

Viver é ousar

Fora de si,

Fora da regra,

Fora de pé,

Fora

Por aí fora…

Viagem de circum-navegação

À volta

De mim

Para chegar a ti

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Insónia





Mergulho

Em abismos

De gritos silenciados

Pela noite

Acordada,

Estendida ao lado do sono

Que dorme

Anichado na minha insónia.

E o pensar fitando o sono

E o silêncio

Arrasta memórias

Guardadas

Tsunamis de ideias

Esquecidas

Inundam

A noite sem estrelas

Seduzindo a insónia.

Apaguei as estrelas

Para melhor sentir

O aconchego do sono

Que não vem…

Fico no negro

Escutando

Palavras ligadas a palavras

E passo a noite escura

Em branco.

Só a luz da madrugada

Traz a cor

Dos sonhos por sonhar

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Cuidado com as palavras




Era uma vez uma palavra que estava sentada à porta de uma casinha muito engraçada. Entretanto vê um ratinho que caminha direito a ela.
- Bela palavra - diz o rato.
A palavra sentiu o piropo bater-lhe no ego. E o ego inchou.
Voltou-se para o ratinho e disse:
- És tão pequenino e já dizes coisas tão certeiras dirigidas ao mais necessitado de mim! Imagino como será quando fores grande!
- Sabes, eu não vou crescer muito. Primeiro, porque sou um rato e, por muito que coma, nunca serei muito grande! E depois porque a vida de um rato é sempre curta. Há muitos perigos para nós. Nesta casa aqui vive um gato que está sempre a tentar caçar-me. Se eu não fosse esperto que nem um rato, já cá não estava…
A palavra pensou como poderia ajudar o ratinho a sobreviver. Pensou, pensou. E lá tocou à campainha da casa. Esperou, esperou e nada. Mas viu um belo gato por trás da janela entreaberta.
Juntou-se a outras palavras suas amigas que também andavam por ali e perguntou ao gato:
- Senhor Gato, como é que vai a sua saúde?
- Hás-de ter muito a ver com isso, tu! – respondeu o gato com um ar altivo, como só os gatos conseguem ter.
- Gosto de saber que vai bem e é feliz!
- Estou bem, mas estaria muito mais feliz se comesse qualquer coisinha.
- Senhor Gato, eu arranjou-lhe uma lata grande de comida se me prometer que deixa aqui o meu amigo ratinho em paz!
Nem tem tempo de acabar a frase com as amigas… o gato dá um salto e apanha o ratinho distraído com a palavra linda.

Conclusão: Cuidado com as palavras: ditas no momento errado à pessoa errada podem ser fatais.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Minguando





Afasta-se
Cada dia mais
Olha-me ou olha além
Dói
Não dói?
Ainda sente por mim?
Palavras soltas
Um lamento
Um riso
Outras palavras
Soltas
Todas soltas
Ela soltou-se daqui
Mas anda
Por ali
A minguar…
Dói mas é a mim!
Ela vai seguindo
Minguando
Vai-se indo
Pelos caminhos
De regresso
A uma infância

Finalmente feliz!
Trilhos sem sentido
Ou algo fará sentido
Indo assim
Minguando
Devagarinho
Sempre se afastando

De mim…
Mãe!

terça-feira, 17 de julho de 2012

vai-se... assim, assim




Alastra um eco

Silencioso

Riscando esta noite negra sem tempo.

Penso

E dói

Em lâmina afiada

Cortando e abrindo

O avesso do meu sentir.

Vai-se indo, assim, assim



Fogo dança

Pelos trilhos do meu corpo

A espantar

O cinzento frio

Deste Inverno

Feito mancha

Oxidada sem tempo.

Vai-se andando, assim, assim



A dor

Ilumina

Em arco-íris

Riscado nas paredes

Erguidas pelo medo

Prisão-ninho

Da minha solidão

Em posição fetal.

Vai-se vivendo, assim, assim



Um grito

É lançado

Em precipício de espelhos

Partindo

Em explosão de eus

Vivendo cá dentro

Passageiros

Em permanente

Viagem

Por labirintos de alma.

Vai-se partindo, assim, assim

domingo, 1 de julho de 2012

Desdorientada




O poema está desfeito,

Como se o passado descesse as escadas,

Degrau a degrau,

Devagar,

Devagarinho

Para doer mais…

Desço

Ao fundo de mim,

Degrau a degrau.

As pernas cansadas

A dor nas pernas

São as saudades a morder as canelas do poema.

Poema passado,

Percorrido

Verso a verso,

Degrau a degrau

Até ao fundo de mim.

Saudade

Dum futuro que não existe.

O poema morreu.

 Ali

No fundo

Como se o mundo

Fosse o que vejo

Da minha janela

Virada para mim

E cheia de mundo.

O poema era tudo,

Era profundo,

Era isso tudo,

Era o mundo!

O meu mundo!

O poema iluminado

Como se a lua

Estivesse presa

À electricidade.

E, de repente,

Não mais que de repente,

Tivessem cortado a luz.

Como se eu não tivesse pago a conta…

E agora

Sem luz

Não vejo o poema…

Apalpo as sombras das palavras,

Tateio os lugares dos versos

Mas não consigo lá chegar.

O poema brinca comigo do além

E eu morro de saudades,

Aqui,

Agora.

Só,

Sem poema,

Sem lua,

Sem electricidade.

Que pena!

Estou nesta enorme tensão

Entre o passado e o futuro.

A dor perdeu a orientação.