quarta-feira, 16 de março de 2011

A mala e a vida



João atirou com aquilo para dentro de uma mala, a primeira que encontrou. Saiu de casa sem pensar em nada, movido apenas pela má consciência. Sabia que tinha de fugir dali. Mas para onde?

Apanhou um táxi. Destino: Santa Apolónia. Precisava que a viagem demorasse e que o taxista fosse calado. Raridade das raridades: o homem não abriu a boca. Precisava pensar no que fazer. Mas só conseguia pensar no que tinha feito. Sentia uma vontade enorme de eliminar aquela última meia hora, dar um salto no tempo, passar à frente. Mas eram precisamente esses escassos 30 minutos que lhe iam ensombrar todo o tempo que lhe restava. Que tempo lhe restaria? Como iria gastá-lo?

Chegou a Santa Apolónia . Viu uma carruagem e entrou nela. Ao sentar-se lembrou-se: e o bilhete? Saiu e dirigiu-se à bilheteira. Olhou o homem e saiu-lhe: “um bilhete para o Porto, Campanhã, por favor”. Pode ser, por que não? Quanto mais longe, melhor. Volta e senta-se num banco da estação, ainda é cedo para a partida. Coloca a preciosa mala cuidadosamente ao seu lado.

Aquela mala contém a arma do crime. Tem de se desfazer dela. Sem arma, vão demorar mais tempo a solucionar o caso. Mas ele não consegue esquecer os olhos enormes de terror a implorarem-lhe para parar. Não percebe porque não parou. Ele amava-a tanto! Por que é que a Ana tinha de lhe ter contado tudo aquilo? O ciúme já andava a roê-lo há tanto tempo… O que tinha sofrido por antecipação. Tantas vezes imaginara como seria, visualizara os dois vezes sem conta nos seus piores pesadelos. O ciúme já o tinha comido por dentro. Ele sabia quem era o sacana… Mas a confirmação feita pela boca dela era demais… não aguentou.

Agora tem medo. Dava a vida para apagar tudo, mas já é tarde.

De repente, aproxima-se aquele tipo com um capuz: tem um ar estranho… passa por ele, agarra a mala e começa a correr. Fica petrificado, não consegue reagir. O tipo achou que aquela pequena mala teria grandes valores. Para ela tinha o valor da vida, da liberdade. Talvez tenha sido melhor assim. Talvez já não valha a pena ir para o Porto. Sente um repentino cansaço. Talvez volte lá, ao local do crime. Talvez tome uns daqueles comprimidos, devem ser rápidos. Vai voltar a adormecer ao lado da Ana, a mulher da sua vida, o seu grande amor. Assim poupa-se a mais sofrimento. Não vai dar problemas a ninguém. Vai adormecer devagar, agarradinho a ela, como sempre. Vai ter com ela, não quer ficar sozinho. Não aguentaria tanta solidão. A culpa iria devorá-lo.


1 comentário:

  1. Uma notícia em forma de conto!
    Dolorosa, mas real!
    Escreves , escrivinhando, a vida na sua forma mais real.Um abraço amiga

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