segunda-feira, 4 de abril de 2011

Uma experiência vermelha


A excitação também é vermelha, a paixão avermelhava tudo e o vestido da Rita apenas dera o mote.

Naquele night club, na altura chamava-se cabaré, o vermelho era rei, regia todas as outras cores.

O público era muito diverso, muito entusiasmado, muito expectante.

Estava muito na moda frequentar aquele género de divertimentos nocturnos, era o revivalismo, o ser diferente, o ir a todas.

A proposta fora demasiado apelativa, o convite dizia: “Vem só tu, não tragas nenhum preconceito. Vem viver uma noite única, sem programa estipulado. Uma condição: vem de vermelho. Esta noite é vermelha, a cor da paixão, da luxúria, do desejo. Esperamos por ti. Vais viver momentos únicos.”

Era o tempo em que tudo era possível, o futuro estava por preencher, ela era a dona do mundo e tinha que viver tudo e depressa.

Aquele convite fazia-lhe muito sentido. Momentos únicos eram irrecusáveis. Experiências diferentes, tudo o que era diferente atraía-a.

Ela ainda nunca entrara num cabaré e aquele convite tornara a coisa mais desfiadora, mais escabrosa, mais desejada.

Os anos eram loucos, de surpresas constantes. O país estivera tão fechado a sete chaves, tinha sido tão cinzento e tão sem graça, que agora não havia tempo a perder, tudo estava por descobrir e o tempo era de festa.

A revolução vermelha abrira tantas portas, tantas janelas… e todos espreitavam por elas. Era um encantamento.

O vermelho dos cravos, a revolução dos cravos vermelhos.

E o convite era em vermelho, convidava a vestir vermelho, a noite seria vermelha naquele cabaré antiquado.

A sala estava cheia. A assistência estava ao rubro toda vestida de vermelho. Todos tinham recebido o mesmo convite. A música também era colorida. Todo o mundo dançava “aquelas músicas malucas”, como diz o outro. A dança, a bebida, tudo fazia rodopiar. E dançou-se e bebeu-se e voltou a dançar-se.

O espectáculo fazia-se esperar.

O cabaré todo em vermelhos e dourados. Havia salinhas e mais salinhas. Recantos e mais recantos. Camarotes e mais camarotes. Havia de tudo: um barbeiro a funcionar, uma tabacaria tipo brique-à-braque, cabeleireiro e manicura e até uma boutique de lingerie, que dá sempre jeito numa noite que se preze.

Tudo era fascinante, antes fora fascizante. Tudo roçava o rasca, mas depois duns copos, tudo ganhava patine.

Até que a música encaminha para o aguardado e badalado espetáculo.

Uma senhora platinada, muito decotada, muito maquilhada e muito passada apresentou o dito strip-tease, com toda a pompa e circunstância.

Abrem-se as cortinas, e o cenário surge também ele em vermelhos e dourados.

Nada a preparara para o que se seguiu.

Um velhote magro e com o pouco cabelo nos seus avançados setentas e a sua partenaire da mesma época, com um cabelo louro armado para lhe aumentar o seu metro e meio apareceram tentando mostrar uma vivacidade que deviam estar longe de sentir. E lá começaram o seu número de strip-tease, lento, degradante e vermelho, mas de vergonha.

Realmente foi uma noite vermelha, que ficou gravada a negro na sua memória.

Nem todo o vermelho é excitante, nem todo o dourado é ouro. Nem tudo o que é diferente é interessante.

Mas sem experimentar, nunca saberemos.



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