quinta-feira, 10 de março de 2011

Maria, uma recém-licenciada em psicologia, num fim de dia


Maria quer com toda a força do seu querer aplicar todos os conceitos, os saberes recém-adquiridos e por adquirir a qualquer nova situação que lhe vá surgindo no dia-a-dia. Tudo pode ser examinado à luz da psicologia, a sua deusa, a sua fé.

São 20 horas e custa-lhe a pensar com todo o frenesim das compras de última hora no Pingo Doce – uma hora de ponta, onde todos se olham da ponta da sua esgotada paciência, uma hora de extremos cansaços, todos querem mesmo é voltar a casa, depois de mais um dia… e ainda ter de ir às compras… e ainda ter de fazer qualquer coisa para o jantar… e ainda ter de estar numa bicha de gente mal disposta… Depois dum dia passado naquele call-center que a tem de remediar por agora, até nem quer pensar nisso do futuro. O futuro é aqui e agora, senão não aguenta…

Aquele anúncio que diz que aquela marca de bolachas foi retirada do mercado por ter alguns vestígios de uma substância cancerígena, escrito em letras vermelhas naquele jornal, um alerta para os consumidores. Ela própria já consumiu daquelas bolachas, há bem pouco tempo. A razão começa a toldar-se. O pânico toma conta daquele raciocínio que a habita habitualmente, mas que está a fugir dela. Tenta correr atrás dele, mas o estômago começa às voltas e agarra a sua atenção. Dá tantas voltas como as suas teorias já deram, só que num órgão mais nobre. A sua atenção está a descer a um nível vergonhoso: agora dedica-se às voltas desse estômago que se embrulhou todo. Parece que algo na sua zona abdominal se vai desintegrar.
O Pingo Doce começa a amargar. Está em Santa Apolónia. Não é crente, mas neste momento qualquer santa lhe podia valer. Pode ser Santa Apolónia. Qualquer cais de embarque serve, precisa partir dali para fora, apanhar qualquer comboio com um qualquer destino que a afaste daquele miserável estado. Apenas sente um desejo neste momento, como sendo a coisa mais importante do Mundo: tem de ir a uma casa de banho, precisa de um local onde possa estar só. Precisa parar de pensar naquela notícia que fez com que o seu pensamento se tornasse numa nebulosa sem rumo, a subir qual balão inchado e completamente vazio, rebentando de dor como a sua pobre cabeça, tal qual um balão insuflado com uma ideia fixa.
A psicologia experimental experimentou o medo, o pavor da pobre consumidora enganada, calcada, possuída e cansada de tanto e tão mal consumir, consumida pelo fim de um dia completamente esgotante e esgotada de tanta bolacha, Maria! Que cansaço intelectual, não há psicologia que a salve. Esta sociedade de consumo está a matá-la. Eu consumo, tu sem sumo, ela sumiu, nós somamos, vós sois consumidos, eles com sumiço se foram…

1 comentário:

  1. Onde tiraste esta imagem? Conheço-a muito bem é do curso de línguas que estou a fazer na net. E a esta imagem está ligada a uma frase que é "Não me sinto muito bem". Mas ao contrário do que a imagem significa no meu curso de línguas, senti-me muito bem ao ler o teu texto, apesar da protagonista estar como a protagonista do meu curso de línguas. Beijinhos.

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