segunda-feira, 18 de abril de 2011

Nem tanto à morte, nem tanto à vida


Maria entra na capela e desfila como se entrasse numa discoteca, tipo: homens, cheguei!


O defunto era a sua última conquista. Não podia mesmo faltar a esta despedida. Mas quase lhe falta o ar de pensar que ele está mesmo ali, mortinho de todo! Ele que era tão agarrado à vida… Como não tem de lhe ver a cara, tenta pensar em algo mais animado. Olha, aquele morenão de olhos da cor do mar revolto da sua terra. E o mar da sua terra olha para ela… Maria olha de volta com o seu olhar mais profundo, mais penetrante: aquele que tudo promete e, no entanto, é tão ingenuamente reticente, tão vagamente misterioso, deixa margem para tudo.

O moreno passa ao seu lado e lança-lhe um apelo apaixonado, tem aquela expressão de cãozinho abandonado a precisar urgentemente de dona. Passa rente a ela e a calça toca a sua perna exposta. Desculpa-se e segue. Não tem de que se desculpar, ela gostou, até do seu tom de voz.

Ele dirige-se ao caixão. Meu Deus! O moreno destapa o rosto do morto.

Maria entra em pânico. Olha aquele ser acinzentado, que nunca mais a vai tocar. Começa a ver relâmpagos, acompanhados de um zumbido crescente nos ouvidos. Um enorme vórtice suga-a para os abismos do desmaio.

Assim, em vez de um, ficam dois corpos estendidos. Seria uma forma de prestar homenagem aquele último romance?

O corpo tem razões que o morto desconhece.

Nem tanto à morte, nem tanto à vida.

Será o desmaio um ensaio para a outra derradeira passagem?





2 comentários:

  1. Sublime..apenas isso!
    Um beijo amiga

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  2. Difícil de comentar...A morte é tema difícil de desmontar. Um desmaio é...pôr os dedos dos pés na soleira da morte. E acorda-se porque não se quer entrar naquele mundo.
    Gostei, Bjs

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