segunda-feira, 3 de maio de 2010

Um verdadeiramente novo dia



Abriu os olhos a medo: um novo dia! Novo de verdade! Novo como já nem sabia que os dias podiam ser!

E agora? O que iria ela fazer com este novo dia desta nova vida que começava neste preciso momento? Devia ser isto que um pintor sentia perante uma tela em branco. Também ela ansiava pela inspiração!

Mas não: o artista podia sempre pintar outro quadro, podia ir aperfeiçoando a sua técnica, podia evoluir em cada novo trabalho, experimentando novas abordagens...

Ela não podia voltar a falhar!

Já fizera o enterro do passado. Passara um desperdiçado período de luto. Já lambera as feridas. Já estavam cicatrizadas. Nascera-lhe uma nova pele. E uma nova alma também! E estava agora a nascer-lhe uma nova vida. Era um parto feliz!

Flashes, muitos flashes, uma vida feita de muitas vidas, muitas partilhas, muitas emoções. Demasiadas? Impossível fazer contas.

Muitos momentos sublimes. Um corpo que se funde no outro, a partilha total, impossível saber quem é quem, o prazer é uno, o poder do momento, sentir a imortalidade, possuir a eternidade. O máximo!

E o bater no fundo mais fundo, de onde já não dá para descer mais. Nada saber, tudo se ter desvanecido, o cimo do poço está algures, mas nem dá para ver qualquer luz. Foram trevas tremendas, o inferno mais terrível, ai Catecismo sempre serviste para alguma coisa! Que horrorosa sensação de poder sentir o fogo que tão bem lhe ensinaram! Nunca a criança que foi imaginou viver em vida esse terror tão entranhado na consciência da culpa! Afinal eles sabiam!

Mas agora já não, está algures num limbo... perfeitamente protegida... mas é preciso reunir as forças, é preciso recomeçar, outra vez ainda!

Tanto tempo “dentro” não matara a mulher que tinha muitos sonhos para viver, assim a vida e os outros a deixassem! Assim conseguisse agradar no novo trabalho! Assim, assim, nada! Ela era a obreira dos seus dias e iria viver agora o tempo que gastara inutilmente ou não? Não, aprendera demasiado com aquela grande amiga: a Solidão e aquela outra amiga: a Consciência! As três tinham-na reconstruído, pedaço por pedaço...

Pôs um pé no chão. E pôs o outro. E a seguir pôs de pé aquele novo corpo. Olhou de frente o espelho e apaixonou-se pela desconhecida que lhe sorriu.

Deu um salto e entrou no novo dia.

2 comentários:

  1. É este o conto de que falaste não é? Muito bonito. Com uma bonita mensagem. Mais uma vez a autors está de parabéns. A ver se um dia estes textos se transformam num livro. E terei todo o prazer de estar em primeira fila para assistir ao lançamento e depois conseguir um autógrafo :)

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  2. Parabéns Júlia !
    Tem muita imaginação e escreve muito bem.
    O texto está muito original. Gostei muito !
    Espero que continue, para nos dar o prazer da
    leitura do seu próximo livro, que será por mim
    adquirido com muito prazer, devidamente autografado pela Autora.
    Primavera Lourenço Pacheco

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