sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A voz sensual e a cusquice


Estava eu posta em sossego a pensar na vida e na evolução ou retrocesso da dita neste momento neste país e, portanto, um bocado preocupada e não propriamente no meu melhor, quando sou despertada por duas vozes que falavam baixo, mesmo por trás de mim. No meio do desassossego que sempre é o Jardim de S. Pedro de Alcântara num belo fim de dia em pleno mês de Setembro, aquelas vozes fizeram arrebitar os meus cinco sentidos. Para ser mais sincera: foi a voz masculina que me chamou…

Pertencia a um homem, que devia andar pelos trinta e tal anos, e era rouca e sensual. Era uma voz interessante, bem timbrada, daquelas que os galãs usam nos filmes. Não resisti a continuar a ouvi-la! A voz feminina era entrecortada, incaracterística e cheirava a medo.

Apurei o meu ouvido quanto consegui e ouvi a frase fatal: “ele não pode sonhar, senão mata-me”.

Ora bem! Ou antes, ora mal! Coitada da rapariga! Detesto meter-me na vida dos outros, mas também não era o caso. Eles estavam ali atrás de mim, nem os via, não podia saber quem eram e estava num estado de espírito em que a cusquice se conseguiu instalar confortavelmente.

“Teremos todo o cuidado, mas não podemos desistir do que sentimos. Para mim, é o que faz com que a vida continue a valer a pena!”

Pois senti-me um bocado intrusa, levantei-me calmamente e comecei a andar na direcção contrária. Mentalmente desejei as maiores felicidades àqueles dois: que aquele terceiro elemento nunca sonhe, que durma sempre que nem uma pedra para que a vida continue a valer a pena para o senhor da voz sensual! Nunca olhei para trás, não fosse a imagem não corresponder à voz! Detesto desilusões e já tive as minha dose!

3 comentários:

  1. Menina, cada vez acredito mais naquela frase de um grande filósofo, natural do mundo: Os homens beberam todos do mesmo leite e aprenderam pela mesma cartilha.!!!!

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  2. Muito bom o teu texto. O tema é também ele muito interessante. A tua escrita está a ficar cada vez mais apurada. Maravilhoso. E ainda bem que não olhaste para trás. É bom sonhar. E não queriamos que esta história acabasse mal, caso a voz não respondesse às expectativas da protagonista. Beijinhos. Venha mais outro.

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  3. Neste fait-divers,descrito de uma maneira tão off fisicamente,e ao mesmo tempo onde está tudo que existe na cidade ,nos outros,porventura até no nosso sossego,agora já desperto.
    Adorei Júlia

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