quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Uma tarde quente no Jardim da Estrela





Jardim da Estrela. Quatro da tarde. Calor a rodos. Pequeno oásis. Crianças correndo. Avós vigiando. Pessoas lendo, passeando, descansando, dormitando, vivendo.

E depois há os velhos. Pontilhados por ali. Alguns juntam-se em pequenos grupos. Conversam devagar. Pontuam com silêncios. Como só os velhos sabem conversar. Outro passeia o seu velho cãozinho, cozido com ele, cada um toma conta do outro, acertando o passo para não cansar o velho companheiro de melhores momentos. E lá seguem reconfortados com aquela amizade tão única e verdadeira...

E aquela velhota além sentada com as suas memórias tão longínquas... Ao seu lado pousam três grandes sacos. Usa uma enorme camisola laranja de lã com gola alta, que a cobre até aos joelhos. Meias de lã brancas metidas numas sandálias cor de terra. E a proteger as suas farripas brancas aquele chapelinho sem cor, sem época, sem estação. Está tanto calor! Mas ela não o sente. Não tem como o sentir. A solidão fria já se apoderou de todo o seu ser. Ela morde a solidão como um pedaço de pão seco. Mastiga-a devagar, com todo o tempo do mundo. Dá-lhe voltas na boca e depois engole-a. Volta a dar mais uma dentada naquela solidão tantas vezes saboreada mas tomando sempre um novo sabor. Cada vez mais amargo. Empurra-a com goles de silêncio. E ali fica pela tarde fora a digerir tudo. Usa o tempo com indiferença. Como usa o pouco de tudo o que tem. Indiferentemente. Os dias são todos iguais. Nada lhe faz bater o coração com mais força. Já é fraco o seu coração. Mas aguenta. Firme. Dormita embalada pela felicidade dos risos das crianças, pelas pequenas conversas que vão colorindo a tarde dos outros. Assim percebe que ainda há quem viva. Tanta vida à sua volta. Ela é que já desistiu. Está tão cansada! Já chega. Foi ela que consumiu a vida ou a vida que a consumiu a ela? Já não quer saber. O que é que adianta? Só deseja parar. Não se mexer mais. Parar de vez.
Nasceu sózinha e pobre, vai morrer pobre e só. Mas vai morrendo devagar, com vagar. Já se vai habituando. Assim vai ser muito mais fácil...



1 comentário:

  1. Não tem pressa de morrer. Não tem pressa de ficar fria caida e enrolada num canto do chão do quarto. Ninguém a procurará. Ninguém se interessará por ela enquanto o mau cheiro a não denunciar.
    Amiga que bem fotografada está a solidão da velhice de um país também tão velho.
    É bom que a juventude ouça falar deste problema e se lembre que, um dia, também morrerá devagar num banco de jardim.

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