sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A mulher que diminuía


Diminuía.
Todos os dias.
Ele todos os dias se servia dela.
Maria sentia-se usada. Pouco interessada naquele homem, que apenas a utilizava. Nunca a namorara. Nunca a iria namorar.
Ela sentia-se diminuída.
Sabia quão pouco ele a considerava, como pessoa. E como mulher também. Ela era uma coisa, apenas útil.
Ela sabia.
E sabia das colegas que falavam em romances, em jantares românticos. Em fazer amor.
Sabia lá ela o que isso era!
Só conhecera aquele homem. Ele surgira. Pedira-a a seus pais. Eles cederam-na. Cederam aquela coisa. E lá casaram. Mal e porcamente se enrolaram. E o degredo começou. E não acaba mais.
Era tão pouco, tão sujo, tão feio!
Ela que tanto sonhara com alguém delicado que a arrancasse daqueles pais boçais e pouco interessados naquela criança, que sempre lhes pesara e pouco os animara na dura vida de trabalho pesado que sempre levaram. Ela era apenas mais um peso!
Para eles o António fora uma bênção! Aliviava-os daquele peso chamado Maria, nascida dum descuido que só lhes trouxera despesas, perdas de tempo e mais trabalho para alimentar mais aquela boca.
Rejeitada. Primeiro pelos pais. Agora por aquele marido tão boçal quanto eles. Que sina a sua!
A vida era mesmo sem graça.
Ouvia as colegas falarem dos maridos, dos namorados.
E pasmava.
Fingia que sim. Também ela era muito feliz com o seu António.
Sofria calada. Calava a dor. Calava os sonhos. Calava o viver. Emudecia.
À noite ficava em frente da televisão e vivia aquelas histórias das novelas. Sofria com aquelas pessoas. E ficava tão feliz com aqueles amores. Aí sim, vivia. Pelos outros, dentro daquele aparelho, era assim que vivia.
Foi construindo o seu próprio mundo de faz de conta. Criou um amante. Lindo! Tão meigo e romântico!
Quando usada pelo António, entregava-se com artes novas. Não era a ele que se dava, era ao seu amado Pedro, aquele que ela via fechando os olhos.
O seu Pedro, amante imaginário que a completava. Tornou-se bonita. Embonecou-se. Finalmente sentia-se mulher!
E vivia em pleno aquele tórrido romance imaginário.
Quando as colegas falavam dos seus amores, ela exibia aquele sorriso de quem está apaixonada. Não havia que enganar!
Finalmente tinha uma vida. Era importante para alguém.
E assim foi vivendo. Sobrevivendo.
Até aquele dia em que não aguentou mais esse jogo de faz de conta.
Caminhou por aquele promontório que terminava  abruptamente num mar que sempre a fascinou.
E foi feliz para sempre!

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