Aquela velhinha toda bem posta é uma graça! Aquele olhar misterioso de quem fez muita maroteira, de quem viveu tudo a que tinha direito, deixa muita margem para a imaginação. Naquele seu aprumo, na sua faceta fashion, percebe-se que foi uma coquete…
A sua actividade há-de ter tido a ver com o acto de criar! A forma como olha, percebe-se que vê para além das aparências, faz a radiografia colorida, está a criar de mim uma história, como eu estou a criar a dela. Este intercâmbio faz-nos sentir que temos uma ligação. Sempre nos olhamos, nos analisamos, nos inventamos… E trocamos um imperceptível sorriso de cumplicidade…
E assim seguimos revigoradas para o nosso dia e a nossa própria vida.
A casa desta velha senhora é um mix de peças de cerejeira do início do século passado com cortinados de seda de cores fortes a combinar com todos os tamanhos e feitios de almofadas coloridas. Há souvenirs do mundo inteiro que contam histórias, muitas memórias.
As paredes têm arte e mais arte e toda a casa é uma obra de arte, porque tecida pelo viver cheio de uma vida, aliás, de várias vidas numa vida…
E o gato dorme com o seu lustroso pelo preto que reluz ao sol na almofada vermelha da cadeira branca de ferro forjado.
A casa respira boas energias e o cheiro a incenso e a jasmim leva-nos para outros mundos visitados e sonhados por esta deliciosa inquilina.
Quando se for a sua presença ficará impregnada, fará parte da história que esta casa conta.
Como bailarina correu mundo. Suscitou muitas paixões, desencadeou tempestades sentimentais, mas ela reservava-se para algo melhor; criara tantas expectativas que parecia que o comum dos mortais não tinha hipótese de vagamente se aproximar…
Até que um dia ele chegou sem palavras e com aquele olhar preto e profundo e enorme. E ela, deslumbrada, seguiu-o. Ele estava além do que tinha imaginado, a realidade ultrapassou o sonho. Viveram uma paixão tórrida, perdidos e achados um no outro. Ele era um cidadão do mundo e viveram a sua história por esse mundo fora, viajaram sempre, renovaram-se em todos os destinos, foi um amor sempre em movimento. Ela deixou tudo para trás e partem nesta aventura imensa. Estão sempre juntos, devoram-se, vivem tudo até ao limite. Amam-se sem passado e sem futuro. O que conta é o que têm agora. São imortais, o tempo não existe.
Um dia acorda e ele não está lá. Nunca mais estará. Partiu como chegou: sem palavras.
A dor não se conta, dilacera. Ela guardou aquele homem bem dentro e vive aquela paixão intensa em sonhos escaldantes nas noites em que transpira solidão.
Oh Júlia este texto está maravilhoso. Que encantadora velhinha tu criaste, até da vontade de conhecer. Mais uma vez bonitas palavras, excelente autora :)
ResponderEliminarFico muito feliz por te dar vontade de a conhecer. Isso é o melhor que se pode dizer a quem criou um personagem. O feed-back não podia ser melhor! Obrigada!
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