quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pela boca morre o peixe...



Há já uma longa semana que acalenta aquela ideia insistente e devoradora de todas as outras ideias: precisa abordar a sua amada com toda a sensibilidade e delicadeza dos sentimentos que a sua alma encerra. A sua bela e distante amada donzela!

O seu cérebro febril não pára de ensaiar formas engenhosas e subtis de chegar perto da sua idealizada princesa, de invadir o seu recatado e rico reino, que só vagamente pode idealizar…

Todo o seu ser se agita antegozando o imenso privilégio que será aproximar-se daquele tão endeusado e idealizado ser, o seu amor ainda inatingível.

Amanhã será o tão ansiado dia! E nesta infinda noite mal consegue conciliar o sono e a excitação que o fazem revoltear num crescendo de nervos emaranhados num confuso sistema nervoso que nada tem de central. E as ideias contradizem-se, combatem-se, defrontam-se e mantêm a sua cabeça cheia de sons. Sabe o que deseja no mais fundo de si mesmo, mas receia aquele momento supremo e decisivo em que terá de lançar os seus mais profundos sentimentos aos pequenos e perfeitos pés da sua amada!

Os ponteiros daquele repulsivo relógio daquela medonha parede mal se movem, o tempo insiste em passar muito lentamente, insiste em esticar desmesuradamente cada minuto, as horas tornam-se imensas, o tempo cresce para o atormentar!

Quando finalmente nasce aquela única e luminosa manhã, encontra-o ali num limbo, entre o ser e o não ser, entre a consciência e o sonho.

Mas, depois de um elaborado, perfumado e cuidado banho, de uma esmerada escolha da roupa, de um minucioso exame daquele indivíduo que o olha com um ar tão ansioso daquele irritante espelho, decide que chegou o tão estudado momento que tanto ansiou e que agora o amedronta de uma forma doentia!

Encaminha os seus passos pouco seguros para o café onde a sua amada toma a primeira refeição do dia, daquele dia tão especial que será um marco nas suas jovens vidas.

Consegue vê-la na mesinha de sempre. Lá está a bela e doce protagonista dos seus sonhos. Primorosamente vestida. Segurando elegantemente a chávena que encaminha para aqueles adorados lábios levemente rosados. Olha-o com aquele olhar cândido e profundamente penetrante. Abeira-se dela suavemente.

Finalmente os seus lábios entreabrem-se e deixam brotar as palavras:

- Queres curtir comigo?


1 comentário:

  1. Mais uma vez um belo texto. Bom uso de palavras. Estou a ver que estás mesmo entusiasmada com o livro. Já eu ando cá uma preguiçosa.

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