quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O medo é negro


O carro avariou no meio daquela serra sem fim, onde não se via vivalma, onde tudo era escuro. Lá no alto brilhava aquela lua cheia, enorme, magnífica e que tornava a natureza à sua volta mais fantasmagórica, mais sinistra. E ela tinha de procurar ajuda algures onde houvesse algum ser humano disposto a dar uma mãozinha. Mas no meio daquela negrura, daquele silêncio medonho, aonde iria desencantar uma povoação, a que distância, como lá chegaria e quando?

“Coragem, mulher, quando não há escolha, está escolhido. As perguntas apenas complicam, calma, o escuro não mata e o silêncio apenas dói e mói e rói.” Como diabo conseguia brincar com as palavras no meio de semelhante situação! Eram os nervos…

Lá começou a avançar no meio de todo aquele emaranhado de folhas, arbustos, árvores, figuras de todos os tamanhos e feitios que evocavam inimagináveis pesadelos que nunca tivera a dormir, mas estava agora desperta até demais a vivê-los ao vivo.

O sangue pulsava com força, sentia o coração a bater-lhe nas têmporas e a cabeça latejava ao ritmo do coração, aumentando com a velocidade dos seus passos que aceleravam descontroladamente a fugir do medo, mas o medo corria sempre mais e apanhava-a. O restolhar dos seus passos trazia animais bizarros, figuras do além, almas penadas que à falta de outro passatempo a perseguiam naquela noite. Tudo era escuro, mas com um determinado brilho próprio, às vezes branco intenso reflexo daquela lua, única testemunha acesa do seu drama.

Gostaria de voltar a dias coloridos do seu passado, confortáveis, quentes, por oposição a esta noite fria, medonha e negra. Negro é também como vê o seu futuro imediato e negra é como se sente por dentro. Decididamente o medo é negro, por oposição à paixão tão vermelha!

E lá vai ela de rajada, qual furacão através daquele pesadelo ensurdecedoramente alucinante e brilhantemente escuro. Dispara pelo desconhecido fora, sente uma solidão alucinada no meio duma noite preta, em que a natureza se animou para a aniquilar e em que a lua se encheu para testemunhar o seu terror.

De repente, esfregou os olhos, estava a delirar ou era mesmo uma pequena aldeia iluminada com luzes a valer e com seres vivos, talvez a dormir, mas vivos e reais? Estava salva!

Viver é um risco permanente, mas o maior é o risco final, aquele que nos risca de vez da possibilidade de arriscar. Vivam os riscos e as vidas riscadas, às riscas, de risco em risco. Vivam!



2 comentários:

  1. Malditos carros! Quando nos habituamos a eles, começam a dar problemas. Até parece que são homens. Bichos danados que só servem para dar cabo da nossa paz e estragar a nossa imaginação poética e romântica.É nestas alturas que fazem falta dois braços fortes, duas pernas que andem e uma voz que diga:
    - Mulher, vai lá ver se encontras alguma ajuda que eu fico aqui a guardar o carro, não vão roubá-lo!!!
    Gostei. Gostei do crecendo do medo, da imaginação apavorada, das imagens que lhe vêm à cabeça. O que faz o medo!

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  2. Demorou mas foi. Aqui está o meu comentário ao texto da minha kiduxa. O que tenho a dizer é mais do mesmo, mas mesmo assim não me canso de repetir que as tuas palavras fazem as minha delícias. Gosto muito deste teu lado mais obscurso. Que nos transporta sentimentos impulsivos, saltitantes, inquietantes. Adorei este texto, como todos os outros. Devias apostar no triller psicológico, tens talento. Portugal tem talento eheheh

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